Como trabalhar as relações raciais na pré-escola
Mostrar a importância de respeitar as diferenças é uma lição que deve ser ensinada desde os primeiros anos de escolaridade
Preconceito, está no dicionário, é "qualquer opinião ou sentimento, favorável ou desfavorável, concebido sem exame crítico, conhecimento ou razão". Portanto, é coisa pensada, raciocínio elaborado, restrito aos adultos, certo? Errado. Nem as crianças pequenas estão imunes às múltiplas formas de discriminação.
Projeto Griô: contação de histórias africanas
A professora Rita, citada no início desta reportagem, acredita piamente nisso. Ela criou o projeto Griô, palavra de origem africana que significa "contador de histórias", para valorizar a identidade racial das crianças. Em sua escola, 89 dos 150 matriculados são afro-descendentes, mas poucos conheciam a cultura de seus antepassados. De início, ela promoveu rodas de conversa, localizou a África num globo terrestre e apresentou Vovô Zezinho e Maria Chiquinha, um casal de bonecos pretos que virou mascote da turma. Rita escolheu sete contos que exploram a africanidade e associou cada um deles a uma atividade diferente.
Para o primeiro conto, Aguemon (Carolina Cunha, 54 págs., Ed. Martins Fontes), que trata do nascimento da Terra, ela trouxe para a escola sementes de várias texturas, cores e tamanhos.
Na segunda história, Xangô e o Trovão (Reginaldo Prandi, 64 págs., Ed. Cia. das Letrinhas), cada criança identificou as partes do corpo e as diferenças entre meninos e meninas.
Duas histórias do livro Irê Ayô: Mitos Afro-brasileiros, (Vanda Machado e Carlos Petrovich, 123 págs., EDUFBA) deram origem às seguintes atividades: após a fartura de A Terra Mexida e Plantada Dá Frutos, todos plantaram sementes no jardim para aprender que também as pessoas precisam de respeito e cuidados, e a história Ossain, o Protetor das Folhas, inspirou uma tarde de chás, produzidos com ervas da flora brasileira, com a participação dos pais.
Os familiares também foram mobilizados para ajudar na produção de panôs (um tipo de artesanato de origem africana em que vários retalhos, de diferentes tamanhos e cores, são reunidos para representar a diversidade) inspirados por Bruna e a Galinha d'Angola(Gercilga de Almeida, 24 págs., Ed. Pallas).
E funcionárias da escola ajudaram a fazer birotes nos cabelos das meninas depois que a professora leu para as crianças o livro As Tranças de Bintou (Sylviane Diouf, 32 págs,. Ed. Cosac Naify). Brenda, a que se achava feia, logo percebeu que existem vários padrões de beleza. O projeto exigiu muita dedicação de Rita, mas lhe rendeu o primeiro lugar no prêmio Educar para a Igualdade Social, promovido pelo Centro de Estudos das Relações do Trabalho e da Desigualdade em 2006. "Hoje, os pequenos se sentem mais seguros e respeitam mais os funcionários da casa", afirma a professora.
Sugestão de atividades para combater o preconceito
RODAS DE CONVERSA
Reunir os pequenos em uma roda abre espaço para conhecê-los melhor. Para entender as relações de preconceito e identidade, vale a pena apresentar revistas, jornais e livros para que as crianças se reconheçam (ou não) no material exposto. A roda é o lugar de propor projetos, discutir problemas e encontrar soluções. Também é o melhor espaço para debater os conflitos gerados por preconceitos quando eles ocorrerem. Nessa hora, não tema a conversa franca e o diálogo aberto.
BONECOS NEGROS
As crianças criam laços com esses brinquedos e se reconhecem. É interessante associar esses bonecos ao cotidiano da escola e das próprias crianças, que podem se revezar para levá-los para casa. A presença de bonecos negros é sinal de que a escola reconhece a diversidade da sociedade brasileira. Caso não encontre bonecos industrializados, uma boa saída é confeccioná-los com a ajuda de familiares.
MÚSICA E ARTES PLÁSTICAS
A música desenvolve o senso crítico e prepara as crianças para outras atividades. Conhecer músicas em diferentes línguas, e de diferentes origens, é um bom caminho para estimular o respeito pelos diversos grupos humanos. E isso se aplica a todas as formas de Arte.
Formação para atender à Lei 10.639, de 2003
A questão racial é conteúdo obrigatório no currículo escolar. A Lei 10.639, de 2003, decretou a inclusão do ensino da História e da cultura afro-brasileiras no Ensino Fundamental e Médio. E a lei passou a valer para todos os níveis da Educação Básica com a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais.
Para ajudar escolas e professores, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação promove cursos de capacitação e distribui material didático sobre o tema. Um desses cursos, em parceria com a Universidade de Brasília, já formou (a distância) cerca de 25 mil professores de escolas públicas de 306 municípios de todo o país no tema Educação e Diversidade Étnico-Raciais.
Além de conhecer a influência africana na formação cultural brasileira, eles receberam informações sobre a questão racial na Educação Infantil, principalmente no que diz respeito à identidade racial.
Os especialistas ressaltam que o objetivo do professor não deve ser desprezar um determinado tipo de cultura ou dizer que uma é melhor do que outra. "Cabe à escola dar oportunidade para todos conhecerem a cultura afro e entenderem que ela faz parte da cultura brasileira", diz Waldete Tristão Farias Oliveira, coordenadora pedagógica do Centro de Educação Infantil Jardim Panamericano e formadora de professores em questões raciais.
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